As artes sempre tiveram
suas divas, mulheres talentosas, possuidoras de grande talento e beleza quase
divina, como Diana Ross, na música, e a estonteante Marilyn Monroe, no cinema,
que levaram muitos à beira do prazer infinito, mas nenhuma certamente foi como
Florence Foster, aquela que foi um bom exemplo de perseverança absoluta ou de
estupidez infinita?
A FORÇA DE UM GRANDE SONHO OU A ESTUPIDEZ DE UM GRANDE ERRO?
NASCIDA EM 1868, Florence, desde criança, manifestou o desejo de seguir a carreira de cantora lírica. Sonhava em cantar as mais belas árias de óperas de compositores famosos, à frente de um grande público que, em reverência ao seu grande talento, lhe cobriria de rosas. E assim frequentou as aulas dos maiores mestres do canto. Porém, um dia, o pai, um banqueiro bem-sucedido, ao notar o resultado das primeiras aulas de canto da filha, um misto de grunhidos e urros, como uma gata no cio, ou o cacarejar de uma galinha, recusou-se a continuar pagando seus estudos. Contudo, Florence não desistiu. Aos 17 anos, fugiu de casa para continuar dedicando-se à arte de cantar, passou fome e cede em nome de seu grande sonho. Casou-se com o primeiro que a tratou bem, e continuou na pior até o pai aceitá-la de volta, com a terrível condição de que desistisse de cantar. Ela topou e foi assim até completar 41 anos, quando o pai morreu e Florence herdou grande parte de sua fortuna. Com a morte do pai, Florence teve um misto de tristeza e alegria, pois não havia mais empecilho algum para mostrar ao mundo sua indomável voz de soprano.
Três anos depois, ela já
estava pronta para seu primeiro recital. Tinha inquebrantável segurança
de seu talento e dispunha-se a cantar as arias mais difíceis do repertório
clássico. Em 1934, conheceu o pianista Cosmé McMoon com quem formou uma dupla
até o fim da vida. Porém seu recital foi um grande fiasco, os poucos presentes saíram
antes mesmo da primeira música acabar, sob grande gargalhadas e vaias que
ecoaram naquele espaço sagrado em que grandes divas tinham dado a alma. Todavia,
Florence tinha um grande trunfo, uma riqueza incalculável. E assim disposta a
continuar com seu sonho, investiu toda sua riqueza nele: pagou para que o público
fosse vê-la. Neste período, manteve o
recital no Ritz, agora com McMoon — ela pessoalmente dava os ingressos a fim de
evitar a presença de jornalistas — e gravou dois discos. A renda ia sempre para
instituições de caridade. Contudo, surpreendentemente, o público começou a frequentar
seus recitas espontaneamente. Não por sua incrível voz ou por seu talento excepcional
de canto. Admiravam-se de como alguém podia cantar tão mal. E riam de suas
notas desafinadas. Conta-se que a atriz Tallulah Bankhead riu tanto durante uma
de suas apresentações que teve que ser retirada do teatro.
Aos 75 anos, viajando num
táxi, sofreu um acidente no trânsito. Os amigos tentaram convencê-la a
processar o motorista. Ela preferiu enviar-lhe uma caixa de charutos. Adquiriu
a crença de que, depois do desastre, conseguia emitir um fá maior melhor do que
nunca. Os amigos temeram também a gravação dos discos. Acreditavam que, se ela
se ouvisse, perceberia o quanto cantava mal. Mas Florence não se deu conta.
Achava que os discos revelariam seu talento para gerações futuras, seriam como
um souvenir de sua arte.
Tinha 76 anos quando aceitou
se apresentar a um público maior que o dos recitais no Ritz e estrelou um
concerto no prestigioso Carnegie Hall. Feito o anúncio, os ingressos se
esgotaram em poucas horas. Mais de duas mil pessoas voltaram da porta do
teatro, na noite de 25 de outubro de 1944, depois de tentar comprar algum
ingresso de desistentes. Quem viu garante que foi uma apresentação
inesquecível. E interminável. Entre uma música e outra havia intervalos enormes
para Florence mudar de figurino. Sua roupa com asas — ela chamava de “Angel of
inspiration” (anjo da Inspiração) — tornou-se um clássico.
Um mês depois do grande e
rebatador concerto, Florence morreu. Há quem atribua a morte à depressão por,
enfim, dar-se conta, ao ouvir seus discos, de como cantava mal. Florence foi
uma estrela que sabia como tornar sua plateia feliz.
Abaixo, a "singular" interpretação de uma ária de Mozart. A conselhamos que prepararem seus ouvidos!!!
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