quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A LENDA DA BELA DA JANELA DO PALACETE BIBI COSTA


NOS ANOS DE 1920, em Belém, quem passasse pela travessa Joaquim Nabuco com Avenida São Gerônimo (hoje Av. José Malcher), e olhasse para a janela de uma das torres do Palacete Bibi Costa, veria uma bela jovem de olhar tristonho a pentear seus longos cabelos loiros, a observar a rua. Era Maria da Glória, cujo pai a mantinha presa desde que nascera para que não pudesse conhecer outro rapaz além daquele que ele havia escolhido para ser seu noivo.


E por ser vista sempre na janela, passou a ser chamada de “A Bela da Janela”, gerando uma velha lenda, que ainda é lembrada pelos mais velhos moradores de Belém.


Reza a lenda que Maria da Glória não era a única filha do Coronel Júlio de Andrade. Ela havia nascido grudada a uma irmã gêmea, Maria Isabel, unidas pelo peito, com um único coração que era dividido por elas.



Dizia-se que quando uma sentia fome, a outra se punha a chorar; se em uma fosse feito cócegas, a outra ria como se tivesse sido nela. Mas Maria Isabel logo morreu, devido a complicações da má formação. Foi quando puderam ser finalmente separadas por cirurgia.


A menina cresceu com saúde, mas, diziam, que estranhos fenômenos passaram a acompanhá-la por toda a vida.



Moradores relatavam que, ao caminhar na Travessa Joaquim Nabuco com Nazaré, à noite, a viam passear, branca feito tapioca, em um longo vestido branco esvoaçante, sem tocar o chão com os pés; e quando passavam em frente ao palacete, lá estava ela, na janela, como sempre, penteando seus longos cabelos.


Dizia-se que o vulto branco era a irmã morta que ao morrer havia se separado apenas no corpo, pois que na alma, elas continuavam grudadas como no tempo em que dividiam o mesmo coração; e que a irmã morta a visitava todas as noites, e fazia pela outra o que esta não podia fazer por si própria por estar presa pelo pai ao quarto, como dividir com a irmã a simples sensação de passear na rua deserta à noite.



Reza a lenda que Maria da Glória se enamorou de um jovem rapaz que um dia ao passar a viu na janela, e por meio de amorosos bilhetes jogados pela janela, com a ajuda dele e da irmã morta, conseguiu se livrar do cativeiro do pai, sendo substituída pela visagem da irmã durante seu casamento, enquanto Maria da Glória fugia com o rapaz para Portugal.


Dizem, ainda, que no casamento tudo ocorreu bem, exceto o estranho frio das mãos e a palidez excessiva da noiva.


* Ilustrações Meramente Ilustrativas, Exceto do Palacete Bibi Costa.


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domingo, 6 de fevereiro de 2022

DRÁCULA DA LITERATURA VERSUS DRÁCULA DO CINEMA

DRÁCULA DA LITERATURA VERSUS DRÁCULA DO CINEMA

Finalmente li o famoso romance de terror, Drácula, de Bram Stoker (1847 - 1912), de 1897. A demora deveu-se a eu achar que o romance, por ter sido bastante adaptado ao cinema, não teria nenhuma surpresa, o que o tornaria enfadonho. E qual não foi minha surpresa ao descobrir que eu estava enganado --- embora confesso que algumas das surpresas foram acompanhadas de certa estranheza e decepção motivado pela inevitável comparação entre o Drácula original com sua versão para o cinema, que o leitor moderno conhece primeiro, e fonte principal de decepções relatadas por alguns leitores. Então vou ressaltar aqui alguns pontos que devem causar estranheza aos leitores modernos. 


Um Drácula com Bigodes e Barba

Bela Lugosi

A primeira surpresa que o leitor moderno terá ao ler o livro, já no início da história, é se deparar com um Drácula que possui bigodes e barba branca, um velho com aspectos desagradáveis, com as palmas das mãos peludas e que emana cheiro desagradável, que Jonathan Harker, o enviado da corretora londrina encarregado de vender alguns imóveis para o conde, faz questão de salientar em seu diário; é um Drácula bem diferente do personagem charmoso, sedutor e  elegante, retratado pelo cinema que causava um misto de medo e suspiros apaixonados no público feminino, principalmente a partir da atuação do ator húngaro Bela Lugosi (1882 - 1956), em filme homônimo de 1931; ator que emprestou charme e elegância ao personagem, que ficou tão conhecido pelo seu papel de Drácula que, ao morrer, pediu para ser enterrado vestido de Conde Drácula. A elegância, a sensualidade e o charme serão definitivamente incorporados pelo cinema a figura do Drácula, que usará de tais atrativos para seduzir suas vítimas, bem diferente do Drácula de Bram Stoker, que usa de poderes hipnóticos e sobrenaturais para conquistar suas vítimas e fazerem ignorar sua aparência repulsiva. 

Uma Narração Fragmentada

Outra coisa que deve chamar a atenção do leitor, dessa vez não de modo imediato, é a forma com que o autor escolheu para contar sua história, por meio de vários narradores, que utilizam trocas de cartas e diários pessoais, um artifício já bastante popular na literatura, conhecido como romance epistolar, mas que Bram Stoker modernizou ao juntar novidades tecnológicas da época, como mensagens de telégrafo, notas de jornais, textos datilografados, e até áudios gravados em fonógrafo, um instrumento recém inventado. Tal uso foi genial, pois, além de dar à narrativa um aspecto fragmentário, de quebra-cabeça, que por si só já prende o leitor, permite que a história possa ser vista das mais variadas perspectivas dos personagens --- embora o autor não tenha imprimido aos diários e cartas as características pessoais dos personagens, o que deixaria o artifício ainda mais interessante. 


A Atmosfera Religiosa do Romance



A atmosfera extremamente religiosa do romance, que transparece por meio das inúmeras expressões religiosas e referências bíblicas citadas pelas personagens, também poderá será recebida com estranheza pelo leitor de hoje, principalmente se não for a feita a religião cristã, fato que me incomodou algumas vezes por seus exageros, dando-me a sensação de estar lendo mais um texto religioso, de propaganda cristã, do que um romance de terror. Mas isso tem uma explicação. Bram Stoker se valeu do clima extremamente religioso da Inglaterra do final do século XIX para transformar sua história em uma luta entre o bem e o mal, uma guerra entre virtuosos cristãos, de um lado, e forças malignas pagãs, do outro, associando Drácula ao Diabo. Isso, sem dúvida, foi um ótimo recurso para a identificação dos leitores da época com os personagens do livro, que certamente foi uma das causas para o sucesso do livro na Inglaterra vitoriana.


Drácula em Doses Homeopáticas



Mas certamente o que mais o leitor de hoje deverá estranhar ao ler Drácula, será a pouca presença do famoso vampiro nas páginas do livro que, ao contrário dos filmes que exploram ao máximo sua presença, no livro ele está apagado, só aparecendo pra valer mesmo, nos quatro primeiros capítulos de um total de 27 capítulos, quando o conde recebe o advogado Jonathan Harker em seu castelo e o mantém prisioneiro. Depois disso ele some, aparecendo apenas em umas três ou quatro cenas de curtíssima duração, sem grande destaque. Sua ausência é preenchida por citações e referências feitas pelos demais personagens a ele durante a busca por seu paradeiro, de modo que ele está sempre presente, mas indiretamente; este recurso foi bastante elogiado pelo escritor Stephen King, que disse ter sido feito com grande maestria, único na literatura inglesa. Mas a verdade é que isto deverá frustrar a maioria dos leitores modernos, que esperavam uma maior participação do rei dos vampiros, afinal, o livro leva o nome dele. Por isso, é impossível evitar a pergunta: Como um personagem que aparece tão pouco se tornou tão famoso?

Bella Lugosi como Drácula

A verdade é que a fama de Drácula não se deve ao livro, mas às suas adaptações para o cinema. Todas as qualidades que fizeram dele um personagem cativante e ainda hoje tão conhecido, mesmo por aqueles que nunca leram o livro, não estão contidas no livro de Bram Stoker, mas nos filmes. O livro já tinha uma estrela programada para brilhar que absorveu todo o conhecimento do autor, e capítulos e mais capítulos para mostrar sua genialidade, talento e conhecimentos, e este personagem não era Drácula, mas o professor Van Helsing, que no livro está mais para um padre exorcista do que um estudioso erudito. É bem possível que, se Bram Stoker tivesse tido a oportunidade de ver o grande sucesso de Drácula no cinema, se surpreenderia muito, pois ele o criou para ser temido e odiado, não amado pelos fãs de filmes de vampiros, filmes que o despiu de todo primitivismo e características desagradáveis criadas por seu criador, e o dotou de sensualidade, elegância e charme, qualidades fundamentais que realmente foram as responsáveis pelo sucesso de Drácula. 


O cinema, com sua linguagem cheia de reviravoltas, também deu a história de Drácula as reviravolta que a história original não possui, originando mais uma causa de estranheza no leitor moderno tão acostumado com a linguagem do cinema, causa de muitos leitores não gostar do desfecho do romance de Bram Stoker.




Então, pelo o que vimos aqui, para bem saborearmos a escrita e a história criada por Bram Stoker, torna-se necessário separarmos o Drácula criado por este de sua versão cinematográfica, embora seja algo quase impossível ao leitor moderno, mas não custa tentar.