quarta-feira, 16 de novembro de 2022

“VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM” E A ENCANTARIA DO MARAJÓ


 

“VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM” E A ENCANTARIA DO MARAJÓ

No popular livro Visagens e Assombrações de Belém, de Walcyr Monteiro, além de histórias sobre visagens e assombrações, já referidos no título, há uma série de contos focados nas lendas amazônicas e, seguramente, são os mais originais do livro, por estarem ligados diretamente à cultura amazônica. 


E entre estes contos um se destaca por contar uma história muito diferente das demais, que se assemelha a um conto de fantasia, “O Estranho Cliente do Dr. X”. Mas seria ele realmente um conto de fantasia? E o que o faz ser diferente dos demais contos do livro?



O Estranho Cliente do Dr. X 

Um médico tem seus serviços requisitados, de madrugada, por um misterioso cliente que procura por ajuda, mas diz que o médico terá que ser vendado até o local. Por meio de seus outros sentidos, o médico percebe que havia sido levado até ao cais. Ao descer uma escada e sentir seus pés molharem, deduz que está indo para um navio. “O médico sentiu assim como se deslizasse no espaço. Não se pode falar em voar… Apenas que o espaço sentido pelo médico era líquido”. Ao passar por uma porta, retiraram a venda de seus olhos, “o Dr, deparou-se com um luxuosíssimo quarto, muito bem decorado, apenas em estilo completamente diferente de tudo o que conhecia”.


Após ter feito o quê tinha sido solicitado, deu uma última olhada no quarto, antes de ser novamente vendado, Viu que o teto do local era alto e muito bem trabalhado assim como as paredes do lugar; percebeu também que a luz vinha de candelabros a vela. O Dr. X é novamente vendado. Ao subir a escada de volta sente seu corpo ficar totalmente seco. 


Após ser levado de volta à sua casa, é recompensado com uma bolsa de couro, com moedas de ouro, dobrões espanhóis do século XVII. Ao ver as moedas ele se recorda do quarto e de duas pessoas vestidas ao modo “bem antigo”, presentes no quarto.


“Ao acordar, muito tarde, na manhã seguinte, o Dr. X achou muito engraçado o sonho que tivera. Para ele, tudo não passara de um sonho.”


“Porém, quando levantou-se, seus olhos pararam sobre a mesinha da cabeceira: lá estava a sacola de couro, da qual saiam alguns dobrões de ouro, como a mostrar-lhe que sua estranha aventura, longe de sonho, tinha sido insofismável realidade…”


Segundo o “informante” do Walcyr Monteiro, a história “O Estranho Cliente do Dr. X”, está relacionada com o conto “As Ilhas Encantadas do Marajó” e “O Pai-de-Santo do Jurunas”.

 


As Ilhas Encantadas do Marajó

Neste conto o “informante” de Walcyr relata a viagem que fez ao arquipélago de Marajó e das histórias misteriosas contadas sobre duas ilhas da região, que nativos dizem não ser habitada por pessoas mas pelos encantados, pelas entidades do fundo” do rio. E, ao ouvir histórias de pessoas que foram para as ilhas e nunca mais voltaram, o informante se sente mais curioso ainda a ir até lá, e é a todo custo desencorajado. “Olhe, moço, o senhor é da cidade e não acredita nessas coisas. Mas a verdade é que estas ilhas são encantadas”. E também: “E que era bom que não insistisse muito, pois, só pelo fato de estar demonstrando tal desejo, poderia ser “encantado” pelos habitantes do fundo”. Pronto, durante a noite, ele  é assombrado por sonhos. “Tive uma noite inquieta, sonhando inclusive com seres estranhos, vestidos de maneira esquisita. Acreditei que isto tudo era influência do aspecto do lugar”.


Ainda segundo o mesmo “informante”, o caso contado no conto “O Pai-de-Santo” do Jurunas permitiu relacionar de vez “O Estranho Cliente do Dr. X” com a história do conto “As Ilhas Encantadas do Marajó”.




“O Pai-de-Santo” do Jurunas

Segundo Walcyr Monteiro, em seu livro, dois anos após a visita na ilha de Marajó, o informante tem sua curiosidade despertada, por um amigo, a respeito de um pai-de-santo que recebe uma entidade que consegue adivinhar o passado e o futuro de alguém.


Ao chegar na casa do sujeito em dia impróprio, o informante ao lamentar não poder conhecer a entidade tal (ele pronuncia o nome), imediatamente a faz incorporar no pai-de-santo.


Ao dialogar com a entidade, e a lhe perguntar de onde ela é. A entidade lhe diz que é gente do “fundo”. E questionada por ele “Do fundo da onde?”. A entidade responde “Ser do fundo… Da linha dos encantados ou linha da encantaria… Eu moro perto do Marajó… Tu já ouviu falar da Croa Grande e da Croinha?” O informante provoca: “Mas… se lá não tem nada. É só vegetação”. E a entidade responde: “Tu é que pensa, meu ‘fio’. Não tem nada na superfície, mas tem no ‘fundo’. Lá é meu reino encantado; é lá que eu moro.”


Quem Seria o “Povo do Fundo”?

São os Encantados, entidades pertencentes a Pajelança, ou a Encantaria, que tem nas ilhas de Marajó e Mayandeua (ilha que engloba Algodoal) lugares sagrados, onde antigos pajés iam para adquirir o dom da clarividência e da cura, e ter contato com os caruanas, entidades protetoras que habitam o mundo das águas. 


A crença de que rios e igarapés possuem entidades protetoras --- Mãe D’água, Iara, etc.---, fazendo com que os banhos em igarapés tenham horas certas e desaconselháveis ao banho. Tais crenças produziam nos mais novos certo respeito pela natureza.


A Pajelança acredita em seres encantados, das águas e das matas, que manteriam contato com nosso mundo por meio de portais mágicos --- o Lago da Princesa, em Algodoal, seria um deles, que serveria de portal para a Princesa de Mayandeua, uma entidade de cabelos tão dourado quanto o sol, e de pele tão branca quanto as areias da praia que, segundo a crença, faria crianças ainda não nascidas chorarem no ventre de suas mães, demonstrando sua predestinação a terem o dom da cura e da pajelança. 


Para a Encantaria, diferente de outras religiões brasileiras, suas entidades não seriam espíritos de pessoas já falecidas, mas teriam sido pessoas que se tornaram encantadas, adquirido poderes e se transformado em "encantados''. É nesse sentido que devem ser lido os contos “O Estranho Cliente do Dr. X”, que não seria uma história de fantasia mas a manifestação de uma forma de religiosidade amazônica.

 



Sendo assim, o local para onde o Dr. X foi levado, seria um corsário espanhol, do século XVII, que se tornou encantado, junto com sua gente, e que teria atravessado o tempo e o espaço por meio de um portal, semelhante à outras entidades encantadas --- às Três Princesas Turcas e a crença maranhense ligada ao culto do Rei Dom Sebastião.


Leia Também: As Três Princesas Turcas e os Portais Mágicos

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)


 

VISAGENS E ASSOMBRAÇÕES DE BELÉM (RESENHA DO LIVRO)

“Visagens e Assombrações de Belém", de Walcyr Monteiro, é, sem dúvida alguma, o livro mais popular do estado do Pará. A obra, além de conter referências históricas sobre a cidade de Belém, também apresenta parte da pesquisa do autor sobre manifestações religiosas populares, as dedicadas ao culto dos “santos populares” do Cemitério de Nossa Senhora da Soledade. O ponto alto do livro são as histórias orais de visagens coletadas desde os anos de 1972, quando o autor escrevia para o jornal e recebia de seus “informantes” histórias vividas por populares. E é sobre essa parte do livro, que se dedicará a presente resenha.


Guapindaia Assu de Moraes, o Mais Famoso "Informante" de Walcyr. É dele Alguns Relatos Registrado por Walcyr Monteiro. Guapindaia Tinha o Hábito de Escrever seus Relatos de Visagens para os Jornais da Época

Os contos do livro podem ser classificados como histórias de: 


APARIÇÃO: Trata-se de uma entidade benévola, que aparece para trazer-lhe um bem: um ensinamento, conselho, ou quem sabe o segredo de onde o falecido deixou aquele dinheirinho bem guardadinho.


ASSOMBRAÇÃO: Ao contrário da supracitada entidade, esta aparece para perturbar-lhe o juízo, causando-lhe perturbação mental e medo — muito medo mesmo e, seguramente, algumas cuecas borradas.


ENCANTAMENTO: É quando uma entidade da floresta ou das águas põe-lhe um feitiço que o mantém em um estado de encantamento que o une a ela, aos seus propósitos e poderes; necessitando ao encantado quebrar-lhe o feitiço, se quiser se livrar de seu encantamento.


VISAGEM: Esta não lhe causa nem bem nem mal, apenas o arrepiar dos pelos do corpo, um frio na espinha, e medo, muito medo, e, consequentemente,  algumas cuecas borradas, também.*

(*Tirado do Romance “Após a Chuva da Tarde”)


Relação dos Contos e o Tipo de Entidade Tratado no Livro de Walcyr Monteiro:


  • A Porca do reduto (encantamento)

  • A Matinta Perera do Acampamento (encantamento)

  • O Lobisomem da Pedreira (encantamento)

  • O Homúnculo do Largo da Sé (visagem)

  • A Matinta Perera da Pedreira (encantamento)

  • A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim (encantamento)

  • Morada de Caboclo (encantamento)

  • O Estranho Cliente do Dr. X (encantamento)

  • As Ilhas Encantadas do Marajó (encantamento)

  • O Pai-de Santo do Jurunas (encantamento)

  • O Fantasma Erótico da Soledade (visagem)

  • Noivado Sobrenatural (visagem)

  • Encontro na Praça (visagem)

  • A Moça Sem Face (visagem)

  • O Espectro e a Botija

  • Receitas e Operações Sobrenaturais

  • O Fantasma do Hirondelle (visagem)

  • O Cruzeiro do Telégrafo (visagem)

  • Aparições do Parque (assombração)

  • A Ponte do Igarapé das Almas (aparição)

  • A Procissão das Almas (aparição)

  • O Grito dos Lenhadores da Pedreira (visagem)

  • A Moça do Táxi (visagem)

  • Aposta Macabra (assombração)

  • O Carro Assombrado (visagem)


Os contos, em sua grande maioria, possuem uma escrita simples, com pequenas e saborosas informações históricas sobre os bairros de Belém, que contextualizam suas histórias. Sem dúvida alguma, a simplicidade da escrita é o motivo de sua grande popularidade, que capta o clima de oralidade original de tais histórias.




As histórias de “visagens” e “aparições” são bastante comuns no repertório brasileiro de histórias populares, e no livro de Walcyr tem boas histórias --- destaque aqui para o conto “A Moça Sem Face”, que é um boa história. Tenho que destacar também “O Noivado Sobrenatural”, um dos contos mais longos do livro, e também uma das histórias em que o autor elaborou melhor a escrita, em que um rapaz cansado do péssimo dia que tivera, encontra consolo na companhia casual de uma bela jovem que conhecera à noite na rua. Porém, a história não termina bem para ele. É curioso a semelhança deste conto com o filme A Noiva Cadáver, do diretor Tim Burton


Leia Também O Noivado Sobrenatural.



Os contos focados nas lendas ligadas a “encantamentos”, são, sem dúvida alguma, os mais originais, por estarem ligados diretamente à cultura amazônica. Crenças estas que muitos com idade mais adiantada já ouviram, principalmente nos interiores de nossa região. Destaque aqui para o conto “A Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim”.


A crença de que rios e igarapés possuem entidades protetoras --- Mãe D’água, Iara, etc.---, fazendo com que os banhos em igarapés tenham horas certas e desaconselháveis ao banho ---, produziam nos mais novos certo respeito pela natureza, principalmente àqueles que precisavam dos rios para sua sobrevivência. Algo que nos falta hoje.


O que nos leva a um conto que merece destaque, é o “O Estranho Cliente do Dr. X”, um belíssimo conto, bem elaborado, que parece ser um conto de fantasia. Mas não se engane, trata-se de uma história que tem como foco a Encantaria, uma forma de religiosidade popular, que fica mais claro quando lido em conjunto com “As Ilhas Encantadas do Marajó”, em que é abordado as misteriosas histórias de duas ilhas do arquipélago de Marajó, tidas como encantadas e onde habitam as entidades do “fundo” das águas, os encantados. Este conto encontra sua explicação no conto “O Pai-de Santo do Jurunas”. Aliás, o próprio Walcyr Monteiro confirma isso em seu texto.


Brevemente será feito uma resenha somente para esses três contos por sua importância religiosa. 


Também não poderíamos deixar de destacar o mais famoso conto de Walcyr Monteiro.


A Moça do Táxi


Uma dessas lendas merece destaque pelo fato do autor, Walcyr Monteiro, não apenas ter modernizado seu título, como ajudado a torná-la a mais popular lenda urbana da cidade de Belém. Trata-se da lenda da Moça do Táxi --- nome cunhado pelo autor, que antes era conhecida como A Moça do Carro de Praça, nome antigo dado aos táxis ---, que em todo aniversário ganhava de seu pai de presente uma corrida de táxi pelas ruas de Belém. A lenda afirma que o costume continuou após a morte; com seu fantasma pegando táxi e passeando pelas ruas de nossa cidade. E dando um baita susto aos motoristas, quando este volta à sua casa, para receber pelo pagamento descobrem que a moça já foi desta para melhor.


Túmulo de Josephina Conte, que a Lenda Diz Ser a Moça do Táxi


“A Moça do Táxi” e “Encontro na Praça” 

É interessante comparar a lenda A Moça do Táxi com outro caso contido no próprio livro, chamado “Encontro na Praça”. É indiscutível a semelhança entre as duas histórias.


Em “Encontro na Praça”, um jovem conhece uma moça sob uma mangueira, e encantado por sua beleza e inteligência, passa horas conversando com ela, até que chega o momento dela ir embora. Ele então se oferece para pegar um carro para levá-la. Mas ela não aceita, nem mesmo ir de ônibus ou de bonde, preferindo caminhar até sua casa, o que ele acaba por aceitar. Durante o percurso, começa a chover, ele então, como um bom cavalheiro, oferece a ela sua capa de chuva. 


Ao chegar próximo de sua casa, a moça se despede do rapaz, retirando a capa e a devolvendo. Mas ele não aceita, quer que ela a leve até à casa dela para que não se molhe durante o pequeno percurso --- o motivo verdadeiro é muito mais a possibilidade de um outro encontro com a moça, motivado pela devolução da capa, do que evitar que ela se molhe. 


O encontro para pegar a capa é marcado para outro dia, porém a moça não aparece no horário acertado. Cansado de esperar, ele desiste e decide ir à casa dela pela manhã seguinte.


Lá, ele pergunta pela moça, e recebe a informação que só mora lá uma moça chamada Maria, filha da senhora que o recebe. Nesse instantâneo o rapaz vê pela janela, de relance, um quadro na sala e diz: é aquela moça do quadro. A senhora diz que é sua filha morta há dois anos. Ele, sem acreditar, faz com que a senhora o leve até ao túmulo da filha, no Cemitério de Santa Isabel, e confirme com a própria imagem da moça em uma foto de seu túmulo. Ele, para o espanto de todos, encontra ao lado de sua sepultura, sua capa bem dobradinha.


As circunstâncias que levam o rapaz apaixonado e o motorista de táxi a descobrirem que procuravam por uma moça já falecida, são idênticas: eles veem o quadro da falecida no interior da casa. Também o encontro entre o motorista de táxi e o rapaz apaixonado acontecem no dia de aniversário das duas falecidas. E também são idênticas os desfechos das histórias, afirmando que o apaixonado e o motorista de táxi foram levados até ao túmulo das moças para comprovar sua morte, e que ficaram tão espantados, que ficaram loucos ou que morreram dias depois, no hospital Juliano Moreira, dependendo das versões.


A Lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió 


É interessante notar que a história contada no conto “Encontro na Praça” é semelhante à lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, estado de Alagoas.


Início do século XX, durante um baile, um rapaz conhece uma moça e se apaixona por ela. Ela ao se despedir dele, ele propõe levá-la de carro até a casa dela. Ela pede para ele deixá-la na entrada de um cemitério. E como estava chovendo, ele dá a ela sua capa de chuva. Ela lhe diz o endereço onde mora para ele pegar a capa no outro dia.


No outro dia, ele vai até ao endereço dado pela moça, uma senhora o atende. Ela diz que não mora nenhuma moço alí com o nome que ele disse, mas que era o mesmo nome de sua filha morta. O rapaz descreve a moça, e conta as circunstâncias do encontro entre os dois. Para tirar a dúvida, a senhora o leva até ao túmulo da filha, Lá ele se depara com a foto da moça e com a capa de chuva ao lado do túmulo.


Túmulo de Carolina de Sampaio Marque, Tida Como a Mulher da Capa Preta


A lenda da Mulher da Capa Preta, é tão famosa na cidade de Maceió quanto a lenda da Moça do Táxi é em Belém, e chegou até a dar nome a um bloco carnavalesco. E assim como a nossa, os moradores de Maceió também afirmam que a visagem tem nome, sobrenome e endereço. Trata-se da senhora Carolina de Sampaio Marques, nascida em 21 de março de 1869 e falecida em 21 de novembro de 1921, que descansa no Cemitério Nossa Senhora da Piedade, bairro do Prado.




Ao julgar pela semelhança entre as duas histórias, acredito que o conto “Encontro na Praça” foi inspirado na lenda da Mulher da Capa Preta, de Maceió, por meio de uma das principais características das lendas: o grande poder de adaptação delas. E, ao julgar pela antiguidade do túmulo de Carolina Sampaio Marques, e de sua cruz com “capa”, certamente, alguém se inspirou na cruz de seu túmulo para criar sua lenda.  


domingo, 6 de novembro de 2022

O GÓTICO NA ARQUITETURA, LITERATURA, PINTURA, MÚSICA

O GÓTICO NA ARQUITETURA, LITERATURA, PINTURA, MÚSICA

A primeira vez que a palavra GÓTICO foi usada nas artes, foi para denominar a arquitetura de catedrais medievais extremamente altas, com adornos apontados para o firmamento, que abusavam de grandes vitrais e arcos interiores gigantescos. O nome foi usado em referência aos povos bárbaros Visigodos, como forma de dizer que aquelas construções possuíam formas bárbaras, em um sentido ruim, quando comparadas com a arquitetura até então reconhecida como modelo de beleza, a arquitetura neoclássica, que se inspirava em construções gregas e romanas.



Assim, vemos que, desde o início, o espaço sempre fora importante para a concepção gótica, no caso das catedrais, estas eram extremamente altas para dar ao ser humano a noção de sua pequenez perante Deus. Mas adiante veremos também que o espaço será também bastante importante para a criação da atmosfera sombria, misteriosa e sobrenatural, para as histórias góticas --- noções que também já estavam presentes nas catedrais góticas, com suas gárgulas, criptas e o encontro entre a escuridão e a luz em seus interiores. Sendo assim, este texto irá abordar o gótico, por intermédio das imagens mais importantes para ele.


Literatura Gótica

Foi durante a revalorização da arquitetura gótica, ocorrido na Inglaterra durante a primeira metade do século XVIII, que o termo gótico foi usado para denominar o tipo de literatura que o escritor inglês Horace Walpole havia criado com seu livro O Castelo de Otranto, de 1764; cuja história se passa na idade média, tendo como ambientação castelos medievais, com calabouços, passagens secretas, câmaras de tortura, sons fantasmagóricos em seus corredores, portas nunca abertas a guardar segredos infames, etc., elementos que ajudaram a dar à Literatura Gótica, uma de suas característica fundamental: o clima tenso e misterioso.


Caspar David Friedrich


Houve também pintores que captaram essa atmosfera misteriosa, decadente e lúgubre, das histórias góticas. É o caso do pintor alemão Caspar David Friedrich (1774 - 1840).




Caspar captava em seus quadros o clima de desolação, tristeza e decadência de um passado de glória, por meio das imagens de ruínas de catedrais, de antigos monastérios e cemitérios.




Ele também viu nas árvores desfolhadas e galhos retorcidos, como garras prestes a nos agarrar, o lado sombrio das florestas. Suas pinturas tiveram profunda influência em filmes de terror.




Sem dúvida, Caspar David Friedrich foi o mais gótico dos pintores clássicos.


O Século XIX


Mas foi durante o século seguinte, século XIX, que as grandes obras literárias do gênero foram criadas.

 

Foi também nesse período que se deu a troca do castelo mal-assombrado pelas mansões soturnas e obscuras da era vitoriana. Período que a Literatura Gótica passou a usar cenários urbanos, deixando a idade média como inspiração, passando a ter as ruas frias, escuras e enevoadas de Londres como o cenário perfeito para suas histórias.



Esse período ficou tão conhecido, que é a imagem que nos vem à cabeça quando pensamos em Literatura Gótica, e esquecemos que nem sempre foi assim.


Foi também nesse período que surgiu o elemento monstruoso, que enriqueceu a Literatura Gótica --- Frankenstein, Drácula, O Médico e o Monstro, O Retrato de Dorian Gray, etc.


Mary Shelley e sua Criatura


Além dos monstros, as obras Frankenstein ou o Novo Prometeu, de Mary Shelley, e O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, trouxeram a ciência para à Literatura Gótica, como elemento causador do monstruoso. A Literatura Gótica não precisava mais se valer do sobrenatural para explicar seus monstros. Fazendo do laboratório, assim como o castelo e as mansões vitorianas, um espaço deflagrador de mistérios e clima tenso.

  

Uma grande influência, vinda não das artes e ciência, deu-se por conta da Rainha Vitória.


Após a morte de seu esposo, Príncipe Albert, a Rainha Vitória mergulhou em profundo luto, com vestimentas sempre negras. Isto motivou os ingleses a compartilhar o sentimento de luto de sua rainha com vestimentas que abusavam da cor negra. O que, junto com a névoa vindo do Rio Tâmisa e as paredes enegrecidas dos prédios, devido a fumaça negra das fábricas, tornou Londres o cenário ideal para as sombrias histórias góticas. Contribuindo para a imagem do gótico que temos hoje.

 

Século XX

Desde o surgimento de O Castelo de Otranto, a Literatura Gótica ficou bastante popular, e tornou-se moda em muitos países da Europa, fazendo com que autores a adaptassem a cultura e ambientação de seus países; assim nasceram: Wieland, de C. B. Brown (Estados Unidos); O Aparicionista, de Schiller (Alemanha); O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux (França), Eu e Outras Poesias, de Augusto dos Anjos (Brasil), etc.


A Literatura Gótica continuou se adaptando a novas correntes artísticas e culturas. No século XX, ela deu origem aos livros e filmes de terror, às Distopias, e demais estilos de arte.




Porém, é preciso dizer que nem tudo que é terror é gótico, assim como uma obra gótica não é necessariamente uma história de terror. Ou, de modo geral, não é só porque um livro ou um filme usa de imagens habituais ao estilo gótico, que o torna gótico.


Livros como Jane Eyre, de Charlotte Brontë, e A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne, são góticos, mas não são terror.


Para ser gótico é fundamental que alguns elementos estejam presentes, como:


AMBIENTAÇÃO: o local onde a história se passa é fundamental, tem quase a mesma importância de um personagem. Porém, não basta apenas ser sombria, labiríntica, antiga, com infinitos cômodos, precisa ter uma ligação com a história que reflete em seus personagens: um segredo guardado, um acontecimento trágico, lembra um período de glória, etc., podendo ser um castelo, uma mansão, ou mesmo uma caverna, ou até uma espaçonave; o importante é que preencha os requisitos.


O PASSADO ASSOMBRA O PRESENTE: o passado é fundamental em uma obra gótica, seja em forma de um segredo familiar, um crime, um pacto, assombrando um personagem ou um grupo; o passado pode vir também sobre a forma de que aquela casa, ou família já teve um passado de glória, embora viva em total decadência.


O SOBRENATURAL: o sobrenatural pode se mostrar não apenas em forma de fantasmas reais, mas também pode se manifestar em forma simbólica, ou de falsos fantasmas, ou na forma de um fenômeno que mais tarde será totalmente explicado, não de forma sobrenatural.


A TRANSGRESSÃO: a transgressão pode aparecer em forma de monstro, de um crime, de pacto, ou algo que transgrida as leis sociais, como o incesto.


ATMOSFERA TENSA: Todos os elementos anteriores, leva a uma das maiores características das histórias góticas: a atmosfera tensa, a sensação de que a qualquer momento um segredo terrível pode ser revelado, ou a sensação que há algo que prende os personagens a casa, ao local onde se passa a história.

    

Música e Vestimentas Góticas


No século XX, a Literatura Gótica não apenas influenciou artes não-literárias, como o cinema e jogos eletrônicos, mas também a música e as vestimentas sombrias dos jovens.


Personagens femininas da década de 60 e 80 --- Mortícia, Vampirella, Elvira (foto acima) ---, inspiradas no personagem Drácula e nas vestimentas vitorianas, passaram a ser inspiração para muitas jovens.

 






E na década de 1980, a atmosfera sombria da Literatura Gótica passou a influenciar a música, especialmente o Rock. Nasciam assim as bandas góticas, como Siouxsie and the Banshees, Bauhaus, The Sister of Mercy, The Damned, etc.  que usavam de uma sonoridade mais grave e roupas negras para transmitir a atmosfera sombria da Literatura Gótica, com letras soturnas inspiradas na literatura sombria, expondo certo pessimismo e desesperança, em parte produzido pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, que ameaçava, de uma hora para outra, explodir o mundo em um guerra atômica.


O Neogótico Literário


Passados mais de dois séculos após a criação do Castelo de Otranto, a Literatura Gótica continua bastante popular, hoje, por meio do Neogótico, romances góticos atuais que recriam os ambientes e os costumes da Londres do século XIX.