A morte sempre lhe pareceu uma idéia
extremamente excitante, e naquele dia estava decidido a se suicidar. Para
tanto, escolheu o prédio mais discreto e longe da confusão da cidade que
poderia encontrar. Não se importou nem um pouco com a paisagem, afinal, isto
era o que menos lhe importava.
Ao iniciar os quatorze andares que lhe
separava de seu trágico fim, pôs-se a pensar sobre os mistérios da morte. Todas
as estórias que aprendera em sua infância estavam prestes a serem testadas. Seu
ateísmo lhe deixava confuso, pois se estivesse certo, nada lhe restaria, nem
mesmo o sabor da vitória de sua elogiada crença. Do contrário, teria que
suportar a sensação de toda uma vida de erros. Por isso, seu ateísmo, algumas
vezes lhe aborrecia, já que não poderia ser comprovado pessoalmente, muito
menos após a morte.
Ao subir os andares, imaginou cada andar
como um ano de sua vida: seus primeiros anos, em branco em sua memória,
pertenciam aos seus pais, seus parentes...
Estava agora no sétimo andar,
reminiscências emergiam de sua memória: suas brincadeiras de criança, as
descobertas que tanto lhe agradavam, o amor e o carinho de seus pais eram
coisas que tinham valido apena.
Ao chegar ao décimo quarto andar
percebeu que os andares correspondiam aos anos mais felizes de sua vida, que a
escolha de tal prédio não foi por acaso, pois seria bom morrer tendo estas como
suas últimas memórias.
Finalmente, ao chegar ao topo do prédio
um pensamento invadiu sua mente, a possibilidade da queda gerar um efeito
semelhante, porém contrário a subida. Sua mente relembraria imediatamente dos
últimos anos, contudo, de modo decrescente, chegaria aos primeiros anos de
vida, que não lhe pertenciam. Olhou para baixo, sentiu a brisa em seus cabelos,
teve a impressão que a vida e a morte se pareciam; como extremos a dor era um
elemento presente: ao nascer deve ter sentido o ar, que agora balançava
prazerosamente seus cabelos, rasgar suas narinas, penetrar forçosamente um
espaço virgem. Dor que certamente sua mãe sentiu ao preparar-se, em seus
primeiros passos, para gerar-lhe vida.
Olhou para baixo novamente, respirou
fundo, como quem se prepara para um mergulho em uma piscina, e saltou. Seu
corpo estendeu-se no espaço, aparentemente vazio, e caiu... caiu... caiu...
Daniel acordou assustado com o sonho que
tivera, levantou-se e dirigiu-se à cozinha para beber água. Ao apanhar a
garrafa d’água, escorregou, tombando ao chão. E enquanto sangrava, pensou: não
confunda pesadelo com realidade. A realidade é bem pior!
Fomos os primeiros a chegar o jovem Mauro ainda arrumava as
cadeiras. Salvattore em uma cena: um café após cigarro um café após cigarro um
café após cigarro um café. agora uma cerveja e um wisk pois eu cheguei:
discussão em andamento... Até os cadáveres da guerra do Paraguai e os pés das
cadeiras do bar sabiam: o bigode do meu tio era uma farsa! Tantas noites
embriagadas de poesia amor e luar... A grande sacada de Salvattore residia na
forma livre, na liberdade Dadá, na criação da linguagem, um socialismo de
oportunidades literárias, potenciais escritores, enrustidos ou não saindo do
armário, bem blog (quer algo mais sem identidade?) liberando as idéias sem
grilo falante. Uma viagem para além das palavras reais que fazem sentido,
oníricas no cotidiano onde o esgotamento por si só trouxesse o caos e a
luzFoi muita viagem e pouco
marinheiro tudo se confundindo e deixando de ter importâncianovos sentidos e nem tanto a cada minuto,
cada décimo de segundo na luta para parir alguma prosa poética, a vivência que
traz um poema, uma profundidade rasa, na pobreza, na economia das palavras a riqueza dos sentidos ... pausa para um
gole... daí que ele foi editando quase tudo que lhe chegasse às mãos, durante
um tempo a sintonia dos quatro elementos dava coesão e segurava a barra mas
tanto o bigode como o tio eram uma bela farsa, uma invenção por demais e os 4
preferiram a diáspora. ..Não! não como
uma Yoko Ono o texto do Bosco não foi o bode expiatório, já havia uma
inflamação egóica, uma cisão e a liberdade, a espontaneidade do bigode foi
ficando burocrática, se descolando, e então revelou-se: o bigode do meu tio era
uma farsa, aquilo era uma vulva empentelhada. Pedimos mais café e fomos
assistir some kind of monster do Metallica.
Atenção: Obedecendo ao princípio democrático, em que
todos possuem direito de expressão, e tendo recebido severas críticas da
leitora Mariclêide em relação ao meu texto “saindo do Armário”, que tem como
tema a liberdade de expressão não permitida aos não religiosos, eu publico por
meio desta, dando voz aos que não compactuaram com o meu texto, o testemunho de
como a verdadeira fé em Deus pode mudar uma vida, de Mariclêide, autodenominada
de a “Obreira do Senhor”. E sendo um testemunho, eu preferi publicá-lo do modo
que foi por mim recebido, com todos os erros ortográficos. Segue o texto:
(ESCRITO PELA PRÓPRIA)
Sempre tive em conta que o tinhoso sempre
usa de todos os artifícios para nos atrair, e que muitas vezes por meio de sua
influência somos levados as piores situações como formas de perdermos nossa fé
em Cristo. E numa dessas situações fui levada a um antro de perdição, não por
minha livre e espontânea vontade, Deus sabe!, mas pela necessidade. Fui
trabalhar como caixa de um supermercado, cujo dono era um senhor católico. E
como era ingênua!, não sabia do grande mal que poderia vir dali de um
mercadinho chamado Mercadinho São Lourenço. E como era cega!, antes que o sagrado
poder de Deus ouvesse intercedido por mim e me levado ao caminho correto, a
santa IGREJA UNIVERSAL DO CHAMADO DE DEUS. Não via que ali logo na entrada do
mercadinho já havia a marca do tinhoso, do Inimigo. Pois anos mais tarde meu
bom protetor, o ungido pastor Clodoaldo, disse-me que este é o santo protetor
das prostitutas, isso mesmo, dessas mulheres perdidas, como todos aqueles que
vivem uma vida sem Cristo.
O lugar era frequentado por todo tipo de
pervertidos e tarados, que caminham fora do caminho correto de Deus. E logo nos
primeiros dias algo me chamou atenção, avia um homem que todos os dias comprava
uma pequena garrafa de pinga, dessa água maldita que o Inimigo usa para
perverter as boas criaturas de Cristo, e junto com ela sempre levava um pepino,
um pepino grosso e enorme consigo. Ele passava os produtos pela pequena esteira
do caixa e ficava comentando com o bendito fruto na mão, de como era groço e
grande, e ele sempre esperava me ver pegar naquele legume enorme, e quando eu
pegava, ele sempre me dizia: “gostas de verdura, Mariclêide?”, e eu do meu lado,
ungida como sou, sempre lhe respondia, como uma boa evangélica, “claro, irmão,
são obras do senhor”.
E como evangélica, sei muito bem do que se
tratava, era sem dúvida uma criatura perdida, como aqueles rapases com jeitos
delicados, que o povão prefere chamá-los de baitolas ou zé ruelas, mas que o
povo culto prefere chamar de Omosecsuais, cujo pecado foi o causador da
destruição de Sodoma e Gomorra feita por nosso Deus todo-poderoso. Bendito seja
Ele! E sem dúvida aquele pepino era um instrumento de sua luchúria, de seu
horroroso pecado. E como boa conhecedora das artimanhas do tinhoso via de longe
os instrumentos do pecado. Certa vez, um desses rapases, de que falei antes,
entrou no mercadinho, e antes de pagar o que comprava, pôs os instrumentos de
sua luchúria sobre o baucão, eram três devedes chamados Senhor dos Anéis. Sem
dúvida pertenciam aqueles filmes pecaminosos, de que tanto fala o pastor
Clodoaldo, e que para melhor conhecer as armas do tinhoso, foi obrigado a
assistir em apenas uma noite, disse ele, vinte destes horrorosos filmes. Que
sacrifício a um homem de Deus! Pastor Clodoaldo quase sucumbiu, chegando
cansado e suado à igreja, mas como homem ungido que é venceu as armas do
tinhoso em nome de Cristo, tanto que ainda comentava comigo e com outras irmãs
de igreja tintim por tintim de tais filmes. Avia cada detalhes que me
arrepiava.
Meu primeiro marido, um homem católico que
via com certa desconfiança minhas crenças, e que hoje noto que não poderia
mesmo ser feliz ao seu lado, pôs este, não pertencendo a minha igreja, cultuava
um Deus fauço, como sempre comentava pastor Clodoaldo, me levava a estas
locadoras de vídeos, e enquanto eu escolia filmes religiosos, ele sempre ia
para os fundos, a seções de filmes que jamais uma mulher respeitada, como são
todas as evangélicas, deve frequentar. Uma noite, ao ir à cozinha tomar água,
eis que o pego naquele ato solitário de sua luchúria, com a mão na botija,
vendo tais filmes pecaminosos. Minha curiosidade foi bastante forte, confesso,
ao ponto de, antes de fechar os olhos, ainda ver o filme por um segundo, digo
segundos... tá bom, confesso bom Deus, digo minutos, aquelas cenas horríveis. E
após subir e deitar-me, como de costume, deitou-se ele ao meu lado, com um fogo
demoníaco, sem dúvida provocado por tais filmes do Diabo. Como ainda não
tínhamos filhos ainda, e sabendo que este é o plano de Deus, louvado seja, para
todos os casais, sucumbi aos seus desejos, mas não sem antes impô-lo certos
limites, que uma boa mulher cristã respeita, pedi para que apagasse a luz do
quarto e que não se despisse. E ele acatando isso, me pediu que eu ficasse em
algumas posições diferentes da que sempre praticávamos, e que apenas era
permitido por minha igreja. Eu como uma mulher respeitada, disse-lhe “não, isto
não é digno a uma mulher evangélica”.
E como se não bastace isso, uma outra noite
aproveitando-se do escuro e que eu dormia, tentou meter-me por traz, e
lembrando as palavras de meu bom pastor, que incansavelmente dizia que aquilo
não fora feito para entrar mas apenas para sair, chuteio bem entre as bolas,
obrigando-o a ajoelhar-se, e aproveitando que este ajoelhou-se pus a bíblia
evangélica em sua frente e obrigueio a converter-se. Mas nada adiantou, e ele
continuou um católico masturbador e tarado.
Orgulho-me, ainda hoje, de nunca tê-lo
visto siquer nu, embora tenha aberto algumas esceções, hoje, com meu atual
marido, o pastor Clodoaldo, que sendo um bom evangélico, um homem temente a
Deus, disse-me que sendo a vontade de Deus a procriação, permitiria algumas
posições diferentes, que por meio da gravidade, facilitam a procriação. Hoje,
trabalhamos juntos na igreja Universal do Chamado de Deus, e temos doze filhos.
Por isso irmãos lhes digo o quanto a fé é importante para uma vida.
A última rosa morreu. Não mais água, não
mais adubos, não mais amores. Dela sobeja um broto de saudades a reclamar,
murcho, por vida.
A última rosa morreu: um
raio de luz que veio e passou pela única fresta da porta dos fundos. Cansou da
espera pelo paraíso e pelo perdão dos homens. Fechou os olhos, baixou as
pétalas. Ouviu a brisa, respondeu amém. Espinhos tortos. Mão nenhuma para
sangrar. Sem lágrimas nem salvação. Morreu última, cálida, soberana. Passam
nuvens, passa o sol, vem a lua, volta o sol. Morreu a rosa só. Só. Palavra
imensa de morte a reclamar, mínima, por vida.
Nas terras geladas da
Sibéria vivia uma pobre mulher chamada Catarina, que havia perdido seu marido há
alguns anos na grande guerra da Sibéria. A tristeza a dominava por completo.
Esta tornou-se reclusa, renunciando ao mundo, e a todos seus prazeres, menos ao
prazer da gula; que ao mesmo tempo tornava-se motivo de prazer e também de
castigo para ela. Passava dias e dias se dedicando a este único prazer que lhe
restava. Comia sem parar, e também se torturava sobre os mesmos. Seu corpo
aumentava em proporções gigantescas a cada dia, enquanto sua boca havia se
fechado para o mundo; dela nada saia nem mesmo palavras ou secreções impuras.
Porém, um dia um santo
homem bateu em sua porta, convidado por sua família, como meio de exorcizá-la.
Este era um homem circunspecto, feio e sujo, com um olhar profundo que parecia
penetrar a todos, contudo, com uma qualidade que causava inveja em muitos
homens e grande atração em muitas mulheres: um pênis enorme e santo. Isso
mesmo: santo! “O santo pênis de Raputin”, era o que todas as mulheres diziam.
Muitas aguardavam ansiosas para ver aquele instrumento de poder, que apenas as
mulheres da nobreza russa conheciam. Era como o bastão sagrado de Moises,
aquele que com um cajado havia separado o mar vermelho, ou os longos cabelos de
Sansão, ao qual, por meio deste, o bom Deus havia lhe doado o poder, a
soberania, a força e justiça, e assim como estes, Rasputin havia também ganhado
de Deus um dom em forma de um enorme falo, tão grande que este enrolava tão
precioso símbolo de Deus preso junto a coxa, sob algumas voltas na mesma.
A mulher, ao vê-lo, caiu
sobre este de joelhos; lagrimava e chorava, chorava e lagrimava com fervor,
implorando por ser penetrada por aquele pênis divino. A mulher, então, mandou a
mão sob as vestes de Rasputin: uma longa túnica negra; e após não ser atendida,
surpreendentemente, com a rapidez que lhe era familiar, empunhou com sua mão
direita, sem aquele perceber, o enorme membro, que fez a pequena multidão
pronunciar pequenas frases de admiração e espanto; algumas mulheres desmaiaram
ao ver aquele cajado mágico, enquanto o santo padre, estupefato, jogava sobre a
cabeça da mulher pingos sagrados de água benta; e como o cajado de Moisés, Rasputin desferiu com ele alguns toques sobre
a cabeça da pobre mulher, que soluçava ajoelhada. Foi quando esta, como por
milagre, pôs-se a falar, pela primeira vez em anos, surpreendendo a todos, que
pronunciavam palavras contínuas de admiração e espanto:
“Ah! Senhor Deus! Eis que
a minha alma não foi contaminada, pois desde a minha mocidade até agora, nunca
comi daquilo que morrer de si mesmo, ou que é despedaçado por feras; nem carne
abominável entrou na minha boca” – pronunciou a pobre mulher.
Ao que alguns presentes
comentaram:
“São palavra de Ezequiel,
o profeta”
“Sim, sim” – disse o
santo padre com autoridade, e completou o mesmo:
“Ezequiel 4:14”
A mulher, após dizer tão
sagradas palavras, pôs tão rápido aquele enorme membro à boca, com toda a gula
que lhe era familiar, sugando-o com vigor e delícia, como se nada tão saboroso
havia comido.
A multidão assustou-se
com tão brusco ato, enquanto as mulheres invejavam-na caladas.
A cena perdurou por algum
tempo, até que daquele membro jorrou o mais espesso líquido, que caia como
pequenas gotas de chuva. As mulheres, então, os aparavam com a boca,
misturando-os a suas salivas.
Fora um milagre! Fora um
milagre – gritavam todos.
Desde esse dia Catarina
jamais foi a mesma, estava maravilhosamente curada.
RASPUTIN, O SANTO
DEVASSO
Rasputin se chamava
Grigori Yefimovich Novykhn, foi um místico russo, que nasceu, aproximadamente,
em 1869, e morto em 1916.
Rasputin era considerado
um homem santo, com poder de curar pessoas e prever o futuro. Dom que o levou
graças a suposta cura do príncipe Aleksei, de hemofilia, então futuro rei da
Rússia, a ser recebido pelo rei Nicolau II e a rainha Alexandra em sua corte.
Com o tempo Rasputin
acumulou bastante poder e influência na corte russa, tornando-se mesmo um
grande conselheiro do rei Nicolau II. Muitos atribuíam a ele o poder de exercer
influência em outras pessoas, principalmente em mulheres que, apesar de sua
feia figura, se sentiam fascinadas por ele.
Raputin possuía um vigor
sexual descomunal; participava frequentemente de grandes orgias, com dezenas de
mulheres, mulheres que o procurava devido seus dons de amante sexual; ele se
orgulhava muito do tamanho de seu pênis e atribuía a ele poderes sobrenaturais;
muitos homens chegavam a oferecer suas esposas entroca de favores políticos a
ele. E devido a um destes favores Rasputin encontrou, finalmente, a morte. Ele
foi atraído por um nobre russo, que queria lhe apresentar a esposa, Rasputin
foi levado a beber vinho e comer doces envenenados com cianureto. Após este
tomar dezenas de copos de vinho e comer doces envenenados, que pareciam não
fazer-lhe o menor efeito, foi por fim alvejado por tiros de revolver do homem
que desejava impacientemente sua morte. E após sua morte Rasputin teve seu
famoso pênis cortado e exposto como relíquia.
Hoje seu pênis se
encontra, desde de abril de 2004, no primeiro Museu Erótico da Rússia, como
atração principal do mesmo; atraindo ainda hoje centenas de pessoas; muitas vão
para cultuá-lo como um instrumento sagrado, atribuindo-lhe o poder de cura.
Tomei de minha estante um encapado,
Empoeirado, a ermo.
Sem pretensões maiores.
Tomei-o à mão
E fui ao seu encontro.
Ao cumprimentá-lo, foi grosseiro.
Me disse que em si continha
Prolegômenos!
Senti-me estranho
- “Que contato mais sem causa”
Me senti mais estranho.
Ricocheteou algo dentro de mim:
- seu afetado!
Sou aprendiz, não sou mestre.
Pobre...desaprendiz de filosofia.
Por isso invento que sei,
pois nada sei de tais prolegômenos.
Deles não posso
mais saber.
Senti-me estranho, e agora velho.
Repousei-o sobre a mesa
um velado e cínico sorriso
no canto da boca...
Dei-Lhe adeus.
Sirva-se a vontade quem o quiser,
vou à banca de revista.
“E agora, amigo leitor, prepare seu coração e sua mente para a narrativa mais impura já escrita desde que o mundo existe, livro que não encontra paralelo entre os antigos ou entre os modernos.”
Assim adverte o escritor, MARQUÊS DE SADE (1740 – 1814), a leitura de seu primeiro livro, Os Cento e Vinte Dias de Sodoma, ou A Escola da Libertinagem, escrito em 1785. Podemos dizer que Sade não exagera em suas palavras, nem um pouco, pois tal livro ainda hoje, passado mais de duzentos anos de sua feitura, não foi ainda superado em ousadia sexual e violência.
O livro, assim como grande parte de sua obra, foi escrito durante uma de suas longas estadias na prisão, mais exatamente na Bastilha, e é incompleto, pois foi separado de seu autor quando este foi transferido para o hospício de Charenton; o que fez o marquês “chorar lágrimas de sangue”, ao ver-se longe de sua criatura. O manuscrito foi posteriormente encontrado, e somente na década de 1930, devido ao seu conteúdo forte, foi publicado pela primeira vez, apenas para um pequeno círculo de escritores e artistas, sendo liberado para publicação, bem como toda a obra de Sade, somente na década de 1950, não sem antes passar por obstáculos jurídicos, que em nome dos bons costumes, impediam a publicação das obras de Sade.
Eu posso quase ver Sade, em meio aos gritos de dor e lamentações, provindo das possíveis torturas feitas em outros prisioneiros, perdido em suas divagações em busca de uma nova forma de tortura ou de assassinato que fugisse dos tão conhecidos, e desgastados, métodos de seu tempo, já que, sem dúvida, uma dos grandes atrativos de sua obra é a sua criatividade em tal área.
O volumoso livro foi escrito em trinta e sete dias, sendo dedicado, por seu autor, a ele doze horas por dia em sua feitura, possivelmente o tempo em que o sol clareava sua cela. Tal obra foi escrita em um rolo de papel de vinte metros, e às escondidas, já que as autoridades tinham a tarefa de vasculhar, e destruir, qualquer escrito que por ventura pudessem achar de Sade. O livro narra os 120 dias no castelo de Silling, para onde quatro nobres franceses (um padre, um financista, um juiz e um nobre francês), acompanhados de 46 pessoas, entre velhos, jovens e crianças, arrancados à força de suas casas, põem em prática, orientados por quatro das mais experientes e devassas prostitutas da França, todas as formas de práticas sexuais bizarras narradas por tais prostitutas, em um total de seiscentas formas. A obra é dividida em quatro partes, cada parte contém 150 formas diferentes de taras sexuais: A primeira é dedicada às paixões simples, que nada mais são que sexo envolvendo pedofilia, secreções e excreções humanas, como urina e fezes; essa seção merece uma ressalva, pois não há penetração, mas apenas contato com os elementos citados acima;
A segunda parte, chamada de paixões duplas, além de novamente pedofilia, inclui sexo com blasfêmia, incesto, masoquismo e sadismo; aliás, sadismo como já se foi inúmera vezes comentado deriva do nome de Sade. A terceira parte, denominada de paixões criminosas, se refere ao sexo anal, tanto passivo quanto ativo, vale lembrar também que o sexo anal durante o século XVIII era tido como crime, passível de prisão e mesmo de morte; também inclui, além de todas as paixões precedentes, um grau maior de sadismo, como o prazer de furar um olho, arrancar um dente, ou cortar os dedos do parceiro;
E, finalmente, as paixões assassinas, que como podemos deduzir inclui sexo em que sua maior atração está na morte do parceiro, de várias formas e meios, mas sempre de modo terrível e doloroso.
Por isso, o livro choca. E chocar naqueles tempos não era tarefa fácil, pois seria difícil chocar um público que já estava acostumado com os espetáculos das sentenças de morte feitas por decapitação nas praças da Paris de então; assim como aos nobres franceses que participavam das mais extremas orgias sexuais. E se pararmos pra pensar, reconheceremos que chocará menos também, hoje, a um grande público ávido por cenas de fetiches extremos e cenas de morte, consumidas aos milhares, todos os dias, por meio da internet.
O livro é apenas um esboço do que seria, e apenas a primeira parte está completa, embora o autor inclua nela algumas observações, com relação a erros e a mudanças do texto; as outras partes são apenas esboços do que seria.
O universo dos 120 dias de Sodoma é tal que faz com que o mais violento dos Serial Killers pareça um simples aprendiz quando comparado com os personagens centrais de tal livro, cujas personalidades são descritas, detalhadamente, por meio de qualidades desprezíveis de seus caráter. Podemos mesmo dizer, que Sade antecipou a criação de vários personagens tão populares hoje em dia na literatura e no cinema, como os Serial Killers, os anti-heróis da literatura underground; e se pudermos comparar sua obra com o cinema, podemos também dizer que Sade antecipou, em séculos, um subgênero do cinema de terror bastante conhecido, chamado GORE, em que seu atrativo está nas cenas de tortura, com muito sangue e tripas expostas, tendo como alguns bons exemplares as séries: O ALBERGUE; JOGOS MORTAIS e o famoso filme CANIBAL HOLOCAUSTO.
E se compararmos as cenas mais fortes de um filme recente, proibido em vários países (também no Brasil teve sua exibição proibida e a cópia apreendida pela 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro) por sua violência sexual, o filme sérvio conhecido por A SERBIAN FILM, no Brasil chamado de TERROR SEM LIMITES, veremos muita similaridades com os “Os 120 Dias de Sodoma” de Sade, como na cena em que o personagem principal deve fazer sexo com uma mulher que sofreu abusos, enquanto uma menina vestida de Alice assiste a tudo; em outra, um homem ajuda uma mulher a dar à luz e estupra a recém-nascida; ou quando o protagonista é levado a estuprar e degolar uma mulher algemada na cama e depois fazer sexo com seu cadáver; sem esquecermos, claro, da cena em que o protagonista é drogado e levado a estuprar sua esposa e seu filho.
Estas, podemos dizer, são cenas que foram concebidas por Sade já nos longínquos anos do século XVIII, com uma brutal diferença, que ao contrário do protagonista do filme, os personagens de Sade fazem tudo isso, e muito mais, por puro divertimento. E ainda há, na introdução de seu livro, o convite de Sade convidando o leitor a participar deste show de horrores, show que custará ao leitor algumas gotas de esperma, como afirma ele:
“Muitas extravagâncias aqui ilustradas merecerão sem dúvida o seu desagrado; sim estou bem ciente disso. Mas há entre elas algumas que o aquecerão a ponto de lhe custar algum sêmen, e isso, leitor, é tudo que lhe pedimos.”
O livro de Sade teve uma adaptação para o cinema, em 1975, feita pelo polêmico diretor italiano PIER PAOLO PASOLINE, Salò, ou os cento e vinte dias de Sodoma. O filme prima mais para as bizarras cenas sexuais do que para as cenas violentas do livro. A história é adaptada para a Itália durante o governo fascista. E, como não poderia ser diferente, o filme ainda hoje choca. Uma das cenas se tornou antológica, o banquete com fezes humana servida com toda a pompa de um grande banquete.
Contudo, diferentemente dos dias de hoje, o choque proporcionado pelo livro de Sade não é à toa, ele obedece a uma filosofia rígida, por meio da qual Sade perscruta as forças obscuras da mente humana, e que vê a influência dos instintos sexuais em quase todas as relações humanas, conferindo a eles a importância devida com que FREUD lhe garantiria mais de um século depois. Porém, depois de todos estes comentários preparatórios, resta-nos discorrer sobre o livro enquanto entretenimento. O livro segui o modelo do Decamerão, de Boccaccio, e as Mil e Uma Noites, obedece ao modelo de contar pequenas histórias independentes dentro de uma história maior; e, embora seja bem escrito, torna-se repetitivo à medida que as histórias se desenrolam, como alguns já apontaram; mas tudo em Sade tem uma razão filosófica, até mesmo sua chatice, a qual é devido ao seu espírito filosófico de ordenação, o que o levou a tratar o sexo do mesmo modo que o filósofo D. DIDEROT fez com o conhecimento de seu tempo: ordenando-o e classificando-o em uma enciclopédia; e é isso que nos parece ser “Os Cento e Vinte Dias de Sodoma”: uma espécie de enciclopédia das perversões então conhecidas, o que lhe dá, sem dúvida, certo refinamento de libertinagem, que não encontramos em outros escritores libertinos de sua época, em que as pequenas variantes são fundamentais, tornando, por isso, o livro um catálogo de perversões, explorando seus detalhes e todas as possíveis variantes de cada uma; o que é confirmado pelo autor logo em sua introdução:
“Estude intimamente a paixão que à primeira vista parece assemelhar-se completamente a outra e verá que essa diferença existe e, por menor que seja, ela possui precisamente este refinamento e este toque que distingue e caracteriza o gênero de libertinagem sobre o qual se discorre.”
Conclusão: então há a história, por exemplo, do sujeito que gosta de comer vômito; de outro que gosta de comer fezes; e como variante, temos o homem que gosta de defecar na boca da parceira e dela receber sua sujeira diretamente na boca. Etc. Tornando-o, por isso, leitura obrigatória para psiquiatras. O que o torna, de certa forma, cansativo; e pensar que se fosse terminado o livro teria, provavelmente, quatro grossos volumes. Resultado: torna-se, às vezes, maçante como uma enciclopédia; mas, no geral, é um ótimo livro. E assim como uma enciclopédia, o livro é indicado apenas para quem esteja muito interessado na filosofia sadiana, e que possa, claro, suportar o inferno de Sade; um inferno cheio de sexo, dor e submissão, que exige, além de paciência, estômago forte e bastante coragem; tarefa que poucas pessoas têm se aventurado.
Para saber mais sobre Marquês de Sade, acesse os artigos publicados no site: * SADE, O FILÓSOFO MALDITO * MARQUÊS DE SADE E A PSICOPATIA * QUAL É A SUA PERVERSÃO? * A LITERATURA PODE SER PERIGOSA? – EM PAUTA: NIETZSCHE E SADE