sábado, 1 de setembro de 2012

AS DESVENTURAS DE SER ESCRITOR NO BRASIL (de Bosco Silva)



Fazer literatura no Brasil não é tarefa fácil, principalmente se você for um escritor marginal, vivendo à margem das grandes mídias e dos poucos incentivos à cultura de nosso país. Em geral, não basta apenas ter uma boa escrita ou uma boa história pra contar, é necessário que você banque seu trabalho, seja seu editor, faça também sua própria propaganda, se autopromova, que inclui, algumas vezes, até resenhar seus próprios livros.

Pensar viver então de literatura em um país em que a cultura e a educação são vistas como luxo, ou algo desnecessário, e que além dos milhares de analfabetos que mal conseguem escrever o próprio nome, há também as centenas de milhares de analfabetos funcionais que leem mas não conseguem entender o que estão lendo, parece ser uma missão quase impossível. Mas o pior de tudo para mim ainda é o culto à ignorância que há no Brasil, que vê o escritor ou o leitor como alguém que não tendo o que fazer escreve ou lê: um vagabundo.

Recentemente, eu perguntei a uma pessoa se ela gostava de ler, ela me disse que não tinha tempo para tal atividade e que, ao contrário de mim, tinha que trabalhar. Retruquei-lhe, então: “Mas nem mesmo com todos estes finais de semanas, em que vejo você com o copo na mão, não lhe sobra tempo?!”. Ela ficou calada.

E como se tudo isso não fosse o bastante há ainda a indiferença forçada dos outros. Muitas vezes, por exemplo, cheguei com meu livro, em meio a conhecidos e bons leitores, e, mesmo tendo comentando ter lançado o livro, nem um se indignou a puxar conversa a respeito de sua história. Esta frieza parece não combinar com pessoas que gostam de literatura, mas isso me parece ser algo muito mais ligado ao próprio ser humano que a uma cultura específica como a brasileira. Mas é algo que atrapalha muito novos escritores já que trava a possibilidade de uma cooperação mútua.

Há também um fato que penso se tratar apenas de países de terceiro mundo, e que muitas vezes acontece também nas artes cênicas: a confusão entre autor e obra.

Pude acompanhar, algumas vezes, relatos de atrizes que, tendo interpretado vilãs na televisão, eram maltratadas em público com xingamentos por pessoas que tomavam as dores de seus personagens preferidos. Isto também acontece na literatura, principalmente com escritores que se dedicam a temas que fogem dos conceitos usuais de moral ou de normalidade. A escritora Ilana Casoy bem sabe disso, tanto que após centenas de perguntas sobre por que escrever sobre serial killers resolveu escrever em seu livro:

“Antes que você entre na fila dos que já me perguntaram, com olhos esbugalhados e uma indisfarçável desconfiança, por que eu escolhi um assunto tão “chocante”, “mórbido”, “sanguinário”, “cruel”, “doloroso”, “perigoso”, “pungente”, “angustiante”, “desumano”, “problemático”, “assustador”, “patológico” e outros tantos adjetivos utilizados para explicitar a perplexidade que um crime sem motivo logico pode causar; aqui vai uma pequena história...”

Penso que Ilana quis dizer com “indisfarçável desconfiança” a confusão de que acabamos de falar, entre autor e obra. Ou seja, muitos veem Ilana Casoy com os “olhos desconfiados” de alguém que obtém tanto prazer com a descrição destes crimes quanto seus próprios autores. Grosso modo: para estas pessoas o escritor e sua obra tornam-se uma coisa só. O que faz com que Ilana e os serial killers retratados em seus livros sejam vistos quase como a mesma coisa.

E quando o tema é sexo então a coisa torna-se muito mais grave.

É impressionante como a maioria das pessoas não consegue falar a respeito de sexo sem introduzir piadas de muito mau gosto ou, quando muito, ofensivas. Isto quando não há a pestilenta confusão entre autor e obra.  Eu, por exemplo, escrevi um livro baseado em Marquês de Sade, um livro que descreve desejos sexuais extremos, como sexo com animais, sexo envolvendo secreções humanas; são desejos que pertencem ao universo de Sade, transposto para a modernidade dos sites pornô da internet. E assim como Ilana casoy, muitas vezes, experimentei na própria pele os efeitos nefastos deste maldito preconceito. Ouvi várias vezes comentários desagradáveis que me identificavam com o assunto abordado em meu livro, como se eu fosse um dos meus personagens. Este modo de pensar desestimula a literatura tornando-a uniforme, e também ao autor que muitas vezes se torna motivo de piada em um pais com muitos preconceitos e sem cultura, que parece ser incapaz de diferenciar o criador de sua obra.

E quando o escritor, após ter passado por todas estas dificuldades, parece ensaiar seus primeiros passos na vida profissional há ainda a pirataria, que no Brasil cresce sem qualquer limite, e que acaba, infelizmente, prejudicando muitos escritores no começo de sua vida profissional, pois o escritor, como qualquer outra pessoa, precisa também pagar suas contas.

O escritor já ganha bastante pouco com sua obra, em geral, quando muito, ganha 10% do preço de cada livro vendido. Isto significa que de cada livro vendido por, digamos, 30 reais apenas 3 reais é dado ao escritor. O que penso ser um absurdo, pois sem ele o objeto de venda não existiria.

Muito já foi discutido sobre a pirataria na área da música, com alguns a favor, outros contra, mas a verdade é que, quanto a pirataria de livros, a situação do escritor é bem pior que a do músico, pois mesmo que se tenha pirateado cd’s de música resta ainda ao músico arrecadar dinheiro com seus shows, e ao escritor o que lhe resta com este terrível descaso com a cultura? Leituras de suas obras em praças, com seu chapéu virado a catar as moedas do público?

Mas se apesar de tudo isso você ainda quer ser escritor no Brasil, leia o que Charles Bukowski tem a lhe dizer:

se não sai de ti a explodir
apesar de tudo,
não o faças.
a menos que saia sem perguntar do teu
coração da tua cabeça da tua boca
das tuas entranhas,
não o faças.
se tens que estar horas sentado
a olhar para um ecrã de computador
ou curvado sobre a tua
máquina de escrever
procurando as palavras,
não o faças.
se o fazes por dinheiro ou fama,
não o faças.
se o fazes para teres
mulheres na tua cama,
não o faças.
se tens que te sentar e
reescrever uma e outra vez,
não o faças.
se dá trabalho só pensar em fazê-lo,
não o faças.
se tentas escrever como outros escreveram,
não o faças.

se tens que esperar para que saia de ti a gritar,
então espera pacientemente.
se nunca sair de ti a gritar,
faz outra coisa.

se tens que o ler primeiro à tua mulher
ou namorada ou namorado
ou pais ou a quem quer que seja,
não estás preparado.

não sejas como muitos escritores,
não sejas como milhares de pessoas que se consideram escritores,
não sejas chato nem aborrecido e pedante,
não te consumas com auto-devoção.
as bibliotecas de todo o mundo têm bocejado até adormecer
com os da tua espécie.
não sejas mais um.
não o faças.
a menos que saia da tua alma como um míssil,
a menos que o estar parado
te leve à loucura ou ao suicídio ou homicídio,
não o faças.
a menos que o sol dentro de ti
te queime as tripas,
não o faças.

quando chegar mesmo a altura,
e se foste escolhido,
vai acontecer
por si só e continuará a acontecer
até que tu morras ou morra em ti.

não há outra alternativa.

e nunca houve.

4 comentários:

  1. Super...Curti mil vezes!!

    Vc disse tudo...
    É impressionante como as coisas sem conteúdo, tem mais espaço nas mídias que a arte escrita ou musicada, conheço ótimos músicos no meu convívio social que estão a anos insistindo na sorte de um dia sobreviverem de suas artes e serem reconhecidos... não só os músicos, meus amigos poetas e artistas plásticos sofrem tbm dessa falta de oportunidades. Sobre esse lance de sofrer preconceito ou ser rotulado por gostar de leitura nos dias atuais eu entendo muito pq sinto isso na pele, hoje em dia ninguém mais tem assunto a não ser as novelas da TV e lamento,pq é uma pena não ter com quem discutir ou conversar sobre poesias e cronicas urbanas, sinto que estamos vivendo na época das coisas fáceis. Ler, ouvir uma boa musica e pensar se tornou algo luxuoso demais pra quem vive com pressa e "sem tempo". Sinto-me agraciada todas as vezes que venho aqui e leio suas crônicas e as maravilhas que encontro nesse blog. Não desista e lembre-se que sempre existirá pessoas que não perderam a capacidade de apreciar uma boa leitura... Vc é bom nessa arte, parabéns!!

    Charles Bukowski com certeza iria adorar fazer parte disso tudo aqui, ate acho q algumas cronicas que leio por aqui tem essa veia bukowskiana.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Obrigado pelas palavras. E quanto a leitura, temos o Bornal para dividirmos nosso gosto pela literatura.

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  4. Estamos apenas começando, brother. Não precisamos de afirmação porque temos voz, temos coração e temos, principalmente, muita bala na agulha pra derrubar essa caretice, toda essa rigidez cadavérica, preguiçosa e rude. Somos um grupo unido e brando, conciso. Essa precariedade de percepção de alguns "inteliGUENtes" não nos interessa, nem representa. Vivem dentro de uma realidade inexpressiva, sem complexo cultural (e talvez, político) a defender. Eles nos subestimam, mas nós conhecemos todos eles. Sabemos como agem, pensam, comem e bebem (por pura falta de opção). A gente vai ficar, meu irmão, mas eles... vão se FODER, evidentemente.

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