quinta-feira, 4 de abril de 2013

ANTROPOCENTRISMO: O Orgulho Humano (de Bosco SiIva)



Dentre todos os fatos que nos diferenciam de outros animais, um se destaca como um dos mais importantes: o uso do fogo. Ao dominar o fogo, o homem passou a dominar a natureza e os outros animais, e se descobriu como tendo qualidades superiores a estes. Pois, antes de dominar o fogo, foi necessário dominar a si próprio: ao medo e a ignorância deste. E assim, inspirados por isso, o homem deu inicio a descoberta do mundo e de si próprio. Foi o início do conhecimento. Contudo, o mesmo conhecimento que deu ao homem este poder, este sentimento de superioridade perante outros animais, demonstrou também nossa humilde origem.

Por outro lado, a religião sempre foi, pelo menos em nossa cultura, um sustentáculo do nosso orgulho, embora, paradoxalmente, uma grande parte desta denigre de modo considerável, nossa natureza humana. Na África, por exemplo, meninas têm seus órgãos sexuais mutilados por motivos religiosos; na Índia, animais como vacas e macacos, são mais respeitados que humanos; no Cristianismo, sacerdotes católicos têm suas funções sexuais reprimidas, o que é totalmente contrário à natureza e à continuidade da espécie humana, etc.

Contudo, a ideia de que o universo teria sido feito unicamente para nós, era extremamente importante para ela e para o orgulho humano. Éramos o centro do universo, a maravilha da criação. Porém, a ciência não tardaria a dar seus primeiros golpes em nosso orgulho. COPÉRNICO (1473-1543) demonstraria que o nosso pequeno planeta seria apenas mais um a girar entorno do sol, este sim sendo o centro do nosso sistema. Contrariando desse maneira, o modo de pensar antigo, que servia apenas para interpretar certas passagens bíblicas. Copérnico ousou botar a Terra em seu devido lugar. Com o tempo, a ideia de um universo infinito, substituiu a ideia finita, o que tornou ainda mais insustentável a ideia de centralidade, já que para haver centro é preciso que seja definido os limites. E como definir limites em um universo infinito?


COPÉRNICO FOI UM DOS PRIMEIROS A
 BOTAR O HOMEM EM SEU DEVIDO LUGAR

   Com DARWIN (1809-1882), recebemos o maior de todos os golpes, descobrimos nossa origem comum, não éramos mais descendentes de Adão e Eva. Pois, dividíamos uma mesma origem comum com outros animais. Esta verdade caiu como uma bomba na época, pois tínhamos apenas o relato bíblico como explicação para a origem de tudo. Darwin recolheu provas ao redor do mundo, e demonstrou que os primeiros seres vivos evoluíram dando origem aos animais, às plantas, aos homens de hoje. E que quanto mais uma espécie está adaptada ao ambiente, mais ela garante aos seus descendentes a perpetuação da vida. Enquanto as que não conseguem, se extinguem.


COM DARWIN DESCOBRIMOS NOSSA ORIGEM HUMILDE

   As autoridades religiosas não gostaram e ameaçaram excomungar todos aqueles que defendiam tais ideias. Às quais, o anatomista francês PAUL BROCA (1824-1880) retorquiu: “Prefiro mil vezes ser um macaco evoluído que ser um filho degenerado de Adão”. Nossa descendência divina parecia cada vez mais distante, com provas contras que se acumulavam cada vez mais. Os homens se sentiram humilhados, pois finalmente estávamos nus com nossa animalidade. Não éramos mais, “um império dentro de um império”, como afirmara ESPINOSA (1632-1677), contrariando as ideias vigentes, isto é, seres  à parte da natureza, independentes de suas leis e regras. Capazes de pela simples vontade renegar sua própria natureza animal. Mas apenas partes da natureza.

E não há na natureza o menor indício de preocupação pelo conforto, segurança e felicidade do homem, além dos meios comuns que são dados para todos os animais. E em muitos casos a natureza foi tão pobre para com o homem:

* A maioria dos animais possui sentidos mais aguçados que o homem; 
* O filhote humano se for entregue à própria sorte, ao contrário de outros animais, em poucos dias morrerá; 
* A maioria dos animais retém sua capacidade física por um período muito mais longo que o ser humano; 
* Os dentes dos animais são mais fortes e duráveis de que qualquer humano; 
* Somos a morada de vermes e de outros milhares de parasitas, todos concorrendo de iguais à vida; 
* O homem “precisa vestir-se, proteger-se e armar-se para sobreviver. Está eternamente na posição de uma tartaruga que nasceu sem o casco, um cachorro sem pelos ou um peixe sem barbatanas. Sem sua pesada e desajeitada carapaça, torna-se indefeso até contra as moscas. E Deus não lhe concedeu nem um rabo para espantá-las.”1 Tal é a condição humana.

Contudo, muitos replicarão: mas nos concedeu a razão, este poder de estender os limites do corpo, de melhorar o que nos parece inferior, de antever possíveis futuros, etc.

Embora tal argumento, possa ser comparado à ideia de que Deus criou os dentes humanos fracos e infinitamente menos duráveis, porque premeditou que haveria pessoas que por profissão se dedicariam a melhorar e cuidar deles, somos levados a admitir que a razão é o elemento diferenciador entre o humano e o não-humano. E o que o torna superior aos outros animais, embora tantas vezes a estupidez humana se vista de um lado racional. Porém, este mesmo poder nos faz reconhecer que somos frutos da natureza, de suas leis. Apesar de muitas vezes sermos levados por um resquício de orgulho a reconhecer como natural o que não é humano. Somos, por sua vez, levados a entendermos melhor o homem por meio de suas leis naturais: seus desejos, sua capacidade, sua finitude ou mesmo sua estupidez.


A ESTUPIDEZ HUMANA

Este sim é um verdadeiro motivo para nos orgulharmos. Embora tal orgulho encontre seu limite na total indiferença do universo pelo sofrimento humano. 

Porém, somos o mais complexo e avançado produto do universo. Deste universo infinito e indiferente, somos o ápice. Únicos capazes de conceber tais questões. Únicos capazes de doar sentidos às coisas e aos seres. E conceber a vida como a mais preciosa de todas as coisas.
  
FONTES:

1. O Livro dos Insultos - H.L. Mencken

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