No
começo do ano de 2017, mais uma vez, nosso país se acordou com as notícias das
barbáries cometidas em um presídio do Amazonas por presos pertencentes a
facções criminosas rivais que se enfrentaram em uma luta de vida ou morte, em
busca de maior poder nos presídios brasileiros. Para estes não basta apenas
matar, é preciso desferir o máximo de violência possível em suas vítimas,
decepando cabeças, abrindo tórax, expondo-lhes as vísceras, decepando membros,
com o mesmo objetivo dos selvagens de há 10 mil anos atrás, usando os mesmos
métodos para causar medo em seus inimigos, demonstrando que o ser humano, de
modo geral, pouco evoluiu: somos ainda tão violentos quanto eram nossos
ancestrais primitivos.
E
nessa ciranda da violência e do primitivismo, os presídios brasileiros assumem
o papel de verdadeiras escolas da morte.
O
jornalista Percival de Souza, em seu livro O Sindicato do crime - PCC e Outros
Grupos, demonstra o quanto a criatividade humana para a maldade parece mesmo
não ter limites:
“Nas rebeliões orquestradas passaram a ser vistas cabeças cortadas exibidas como se fossem troféus. [...]. Cabeças espetadas em pontas de ferro nas lajes de presídio. Corações arrancados do peito, fritos e comidos pelos principais inimigos no interior de São Paulo. Olhos extirpados, forçando-se o novo cego a comê-los para, em seguida, decepar-lhe a cabeça e atravessá-la por uma corda fina, entrando por um ouvido e saindo pelo outro, a fim de exibi-la para presos e reféns apavorados.”
Uma
Aula de Violência
O
jornalista Percival de Souza, em seu livro, ainda nos brinda com uma fria,
bizarra e sangrenta descrição de um acerto de contas:
“Um
homem, com um saco de estopa enterrado na cabeça e que o cobria até a cintura
surgiu dos fundos da casa, sendo conduzido aos empurrões até a entrada da
propriedade, repleta de árvores, de vários tamanhos. Os convidados foram
informados de que poderiam se acomodar porque a surpresa, conforme o prometido,
seria muito boa.”
“A
surpresa estava ali. Seria um espetáculo.”
“Lentamente,
o saco de estopa foi retirado da cabeça do tal homem, revelando – surpresa
mesmo! – quem era aquela enigmática pessoa, identidade oculta durante longos
sete minutos.”
“Ali
estava, manietado no centro de uma platéia, o traidor do carregamento de uma
tonelada de drogas que caíra nas mãos da polícia. O anfitrião conduziu um
rápido interrogatório, [...].”
“—
Merece morrer?”
“—
Peço perdão. Uma chance. Não vai acontecer nunca mais.”
“A
voz suplicante não sensibilizou o anfitrião, que balançou a cabeça
negativamente e consultou a platéia.”
“—
Ele merece uma chance?”
“Uma
longa vaia marcou a posição dos convidados, que começaram a se aproximar mais,
escolhendo uma boa posição para contemplar as cenas seguintes. [...]. A um
gesto que o anfitrião fez com a mão direita foi chegando, a passos curtos,
compondo uma coreografia aparentemente ensaiada, um homem vestindo avental
branco impecavelmente engomado, brandindo nas mãos um punhal reluzente. O homem
do pedido negado, que já se sabia ser um condenado, foi colocado de joelhos,
enquanto quatro troncos de madeira eram arrastados. O carrasco ficou de pé, do
lado esquerdo, aguardando instruções, enquanto o anfitrião mandava servir uma
nova porção de carne, que o indiferente churrasqueiro, virando-se rapidamente e
por instantes, anunciava estar pronta. A surpresa excitava os convidados, que
dispensaram pratos e talheres, apanhando a carne do espeto com as mãos e
comendo animalescamente. O condenado foi amarrado com a barriga para cima, sem
camisa, sobre os quatro troncos.”
“O
anfitrião fez sinal de negativo, com o polegar direito, como se fosse um
imperador poderoso no Coliseu do tráfico, o que bastou para o homem de avental
branco dar um corte, em diagonal, mas sem profundidade, no peito do condenado.”
“O
carrasco era mesmo habilidoso no manejo do punhal cintilante. Seus movimentos
eram lentos, espaçados, para dar tempo de cada convidado pegar sem olhar uma
nova porção de carne, não perdendo um só momento da execução, que prometia
empolgação e detalhes nunca vistos. A punhalada seguinte foi mais forte, na
altura do ombro, e a arma foi girando, penetrante, num vaivém circulante — o
que provoca dores terríveis -, enquanto o condenado berrava e gemia,
contorcendo-se, e o vermelho pingando na terra fazia contraponto ao vermelho do
céu. O matador, então, livrou o mal-aventureiro das amarras de couro nas mãos.”
“Um
corte no pescoço. Uma punhalada nas pernas. A arma aproximou-se do umbigo e
penetrou. Fortemente. Foi deixada ali por alguns minutos, tempo suficiente para
cada convidado saborear uma nova dose de uísque e preparar-se para o que
haveria de vir, enquanto o anfitrião sussurrava entre os convidados que aquela
cerimônia tinha o nome de estripamento, embora o nome correto seja estripação.
O condenado se esvaía em sangue, balbuciava por clemência, e sua dor provocava
apenas gargalhadas. Nenhuma compaixão. Nada de misericórdia. Os intestinos
foram sendo puxados pela ponta da faca, lentamente. O condenado assistia sua
própria agonia. O carniceiro-executor, com concentrada expressão glacial no
rosto, examinava sem pressa o corpo, escolhendo onde iria desferir, se
necessário, o próximo golpe, sendo aplaudido a cada movimento em que seu punhal
penetrava um pouco mais, girava e era retirado do corpo do homem soltando
pingos vermelhos. A arma era limpa no avental, o executor era impecável e elegante,
sem movimentos bruscos e nenhum gesto que pudesse ser interpretado como
constrangimento e, menos ainda piedade.”
“Foi
aí, então, que o carrasco ensaiou o bote final. Passou a rodear o condenado, e
seus passos foram sendo acompanhados por palmas e gritos ferozes (“uh! Vai
morrer!, uh! Vai morrer!”). O matador segurou a vítima pelos cabelos, dando a
impressão de que pretendia arrancar um escalpo. Segurou firme o punhal, olhou
de perto para a barriga do condenado, já com as vísceras totalmente para fora,
e nela foi colocando marcações a ponta de faca. Deu seis golpes sucessivos, com
toda a força, sendo aplaudido de pé pelo bando ensandecido. Depois, ergueu-se e
colocou as mãos para trás, segurando o punhal mais uma vez limpo no avental.
[...].”
“Voluntários
carregaram o corpo com vísceras expostas para um lago atrás da casa. O
anfitrião fez sinal para todos a acompanharem. O corpo foi arremessado no lago,
de onde emergiram jacarés até então imperceptíveis. Caudas e mandíbulas
agitaram as águas, [...]”
Um
dos convidados presente ao sangrento ritual, pôs em prática, tempos depois, a
sangrenta lição que teria aprendido. Seu nome: Fernandinho Beira-Mar.
“Primeiro, cortaram-lhe lentamente os dedos das mãos, um a um, que foram sendo
pendurados num varal. Beira-Mar, acompanhando por telefone tudo o que acontecia
dentro do cativeiro da morte, gostou de ouvir a descrição e sorriu satisfeito.
Depois, foi a vez dos dedos dos pés. Michel tinha de sofrer com os cortes e a
assistir a tudo. A seguir, os próprios pés. Os assassinos, em câmera lenta,
obrigaram o infeliz a andar sobre os tocos, dolorosamente, enquanto outras
partes do corpo continuavam sendo cortadas.
Pelo
telefone, Beira-Mar perguntava: ‘Já tiraram os pés? E os dedinhos?’ Extirpadas
as orelhas, agonia terrível aproximando-se do fim, o traficante ordenou, pelo
telefone, que encostassem o aparelho junto ao que restou do ouvido direito e
perguntou com sarcasmo: ‘Tudo bem?’ Ouviu apenas gemidos. Disse, então: ‘Isso é
para você aprender a não sair com mulher de vagabundo”. E “finalmente, os tiros
que já não eram mais de misericórdia. O ritual da morte já havia cansado e
angustiado os próprios encarregados de matar. Beira-Mar ouviu o barulho dos
tiros disparados seguidamente e deu por cumpridas as suas ordens.”
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